terça-feira, 15 de março de 2011

O princípio

Eis aqui uma breve história, daquelas que normalmente não se lembra, mas que ficou marcada apenas para aqueles que sabem das coisas que ninguém viu. 

Era um pequeno vilarejo, daqueles que pode se contar as casas, encontrar todos na praça, prozear por horas sem perceber o tempo passar. Um desses, ao pé de uma serra conhecida como talhada, aonde eu nasci.

É apenas o que sei. Mãe não conheci, irmãos, apenas os que adquiri ao longo da existência. Do pai, por muito tempo soube que era um antigo "coroner", dono de grandes faixas de terra do sertão nordestino, que em uma noite fervorosa de prazer com uma escrava da casa, produziu o que viria a ser eu. 

Filho bastardo indesejado era o que diziam. Tempos passaram até que enfim descobri a verdade.

Meu pai fora um antigo bandoleiro, indivíduo contratado por uns tipo de "coroner" para fortalecer seu séquito de combatentes com intuito de proceder conflitos por terras, escravos e influência política. Um dia se rebelou e reuniu junto a ele outros bastardos, uns antigos capatazes, outros capitães do mato. Iniciou movimento violento contra os supostos donos de terra do sertão, ali ele tornou-se mar, porém de sangue, violações e sofrimentos. 

As histórias difundidas pelos poetas do cordel, os historiadores do sertão, um dia chegaram ao meu conhecimento. Saber como este homem era meu pai, foi um longo processo de junções de vestígios, indagações, pinceladas de imaginação e o encontro não premeditado com preciosa fonte: o nome dela era Eulália, idosa e sabida senhora, daquelas que sabem que vai chover porque o Burro está suado e que a mesma vem de um lado, pois o João de Barro construiu sua casa com o buraco virado para o outro. A nobre conhecedora dos mistérios da natureza sertaneja conheceu o homem que deixou um recém nascido na porta da igreja, pois pensava que assim ele poderia ter vida direita. 

José Abadia (nome de meu pai) deixou-me recém-nascido e partiu. Sou fruto de rápida e audaz aventura de meu pai com a filha do "coroner".  Fora por auxílio de Eulália que minha mãe (que tinha por nome Joaquina) pode tirar-me do destino cruel que meu avô me reservaria. De meu pai, soube que depois que partiu não fora visto, apenas memórias de seus feitos foram sabidas e difundidas em cordéis, mas essa é outra história. Já minha mãe foi enviada para convento na capital e dedicou o resto de sua vida a Jesus Cristo.

Criado pelo padre da capela de Nossa Senhora da Perpétuo Socorro, passei a ser conhecido por Serrinha, pois não era filho de ninguém, e sim da terra, daquela serra. Rapidamente fui iniciado nos valores cristãos, além de ter acesso às letras, coisa rara para os filhos da região. O padre que me adotou era conhecido por Janeiro, pois seu nome era José em terra de "Zés". Como chegastes à vila em janeiro, em pleno dia de Reis, ganhou a vulgata. Logo em meus sete anos, Padre Janeiro levou-me com ele para o Ceará a fim de expandir seu trabalho espiritual. A primeira viagem daria início a uma vida sem limites territoriais, sem raízes. Tornei-me historiador de mim e tal trabalho transformou-se em obsessão. A epopéia do poeta peregrino iniciava e incontáveis emoções estavam reservadas. 

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